sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Alba


ALBA
 (2001)
Para
Olga,
Hilda e
Neide,
meus três arcanjos.

Para
Alexei Bueno,
Ivan Junqueira e
Pedro Lyra.

Para
Cairo Trindade,
Gilson Maurity,
Pedro Tostes,
Ricardo Ruiz,
Tanussi Cardoso,

Paula de Oliveira,
Denizis Trindade,
Kyvia Rodrigues,
Renata Ruiz,
Rosália Milsztajn,
presentes em tempos de transformação.

 

O TEAR E A TEIA DE THEREZA

Thereza Christina Rocque da Motta não veio à poesia a passeio, mas a serviço. Ela procura as palavras com volúpia, se deixa iluminar por sua luz, profana seus mais sagrados mistérios. Poesia não é arte para iniciantes, mas paixão para iniciados. Alba lembra aquelas auroras boreais que duram a eternidade inteira e têm o brilho fugaz da vida. Mas lembra, também, o cogumelo atômico sobre Hiroshima (Hiroshima, mon amour) – o astro da morte. Porque a artesania de Thereza sobre cada palavra persegue um processo em todo semelhante ao que desembocou no uso pacífico da fissão nuclear: primeiramente, a palavra explode como uma reação em cadeia, fúria e ternura, se sucedendo numa corrente de sensações sem elo lógico. Depois, ela se junta a outras e aí vem a ciência maior, de retirar do veneno do cogumelo fatídico o brilho e a energia para expulsar para longe as trevas e o frio polar.
Luz e calor, sobretudo fulgor, resultam da leitura dos poemas deste livro. Leitura silente, entre lábios, mas também leitura de um fôlego só – suspiro e sopro. Thereza é explosiva e lânguida, mas, sobretudo, é plena e revelada. A poesia dela não esconde: exibe. É daquelas que represam gestos para liberar emoções. Poesia de bacante e papisa, santa e prostituta, fêmea e anjo. Água de cântaro rolando pelas sarjetas. Suja de vida, mas repleta de etéreo. Abre os portões do Éden e nos acompanha numa visita ao inferno pelas mãos, não de Virgílio, mas de Beatriz. Ela mesma, Beatriz. Ela mesma, Dante. Ela mesma, musa e artífice. Músculos e sonhos. O tear e a teia de si mesma para os outros.
José Nêumanne Pinto


NOTA DA AUTORA

Alba, escrito entre setembro de 2000 e maio de 2001, que traz a minha produção mais recente, reúne, em sua maioria, textos mandados por email, respondendo a mensagens e poemas recebidos, eletronicamente, criando o que passei a chamar de poemails, para caracterizar poemas escritos dessa forma. Há outros, no entanto, que foram acrescentados ao livro, feitos em bares ou livrarias, nas madrugadas extensas do Rio, por onde a poesia navega, seja por mares ou areais.
Resolvi publicá-los antes dos outros livros já terminados, atendendo ao pedido dos amigos que recebiam os poemails produzidos quase diariamente. Além de remetê-los, passei também a apresentá-los nas leituras nos diversos espaços culturais, teatros e cafés. Agradeço a todos as intervenções e vivência de cada um desses poemas.
TCRM


...essas manhãs vigilantes,
essas albas perdidas de azul...
Marco Lucchesi

Porque tu sabes que é de poesia
minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
que a teu lado amando,
antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que teu corpo existe porque o meu
sempre existiu cantando.
Hilda Hilst

E, de repente,
o resumo de tudo é verso.
Márcio Coutinho


Alba

Planto em teu deserto
a tua flor.

Me trouxeste de volta à vida.
Renasço e tinjo meus olhos
de azul.

Se soubesses o que sei, aurora,
não nascerias para mim
mas para a vida inteira.
                                                                                                

Olhos garços
Por detrás de cada sombra
o vento traz-me o teu rosto.
Roberto Piva

Somos nós
que carregamos as imagens dentro dos olhos,
mareados, vertiginosos e esparsos,
luz transida e esmaecida
sobre o horizonte ainda pálido que contemplamos.

Somos nós que carregamos as probabilidades
feito romãs dentro dos bolsos,
esperando que se abram
para tingir o ar com seu aroma.

Teremos sempre novos mistérios e insondáveis segredos
diante de janelas abertas sobre o horizonte.

A praia nos alcança em meio dia
e nossa manhã ainda não escorreu pela tarde,
procurando outra seiva para alimentar a noite.

Aguardo, ainda, paciente,
a vez de tangermos a vida
com a devoção de quem acalenta um anjo.

17/09/2000 – 17h10


A mais breve
Para Paulo Roberto Adalberto

A impermanência é a justificativa da paixão.

O que vivemos mais intensamente
tem vida curta,
é efêmero em sua forma
e permanente em pensamento.

Aquilo que mais amamos não fica.

Resta apenas sua essência irradiada,
as mãos cravadas no peito,
uma ausência mais ampla
do que esteve presente toda uma vida.

A verdadeira é a mais breve.
A mais curta,
a mais efêmera,
a mais acidental.
Perfeita.

E dessa perfeição,
somos as testemunhas.
A única que não passa.

15/10/2000 – 19h06


O outro beijo
A ternura dói como uma chama.
Nei Leandro de Castro

Meu coração não se ausenta de tuas carícias sedentas
nem se afasta de tuas mãos calejadas.

Somos parceiros de discórdias
testemunhas do acaso,
visitantes dos vaticínios
e, mesmo assim,
não trouxemos no rosto as marcas
que deixam a fome.

És parceiro de todas as horas,
oculta mão aguardando partidas,
os trens de sempre inaugurando estradas
e, nós, os que soubemos, antes do momento,
o que restou da ânsia dos verdadeiros amantes.

Éramos poucos e raros,
antecipando o toque no rosto e a grande sede.

Éramos tão novos e inesperados,
que podíamos ter feito de tudo e nada fizemos.

Fomos entalhados como pedra,
sulcos de esperas ardendo,
nossas vidas, dois rumos certos,
nossas palavras, a vida inteira.

5/11/2000 – 15h51


Breve anunciação
Um corpo é longo
Félix de Athayde

Ele:

Sempre estarás envolvida em silêncio.
Sempre terás essa aura límpida
e carregarás esse mistério,
um olhar indecifrável sobre tudo
e uma vaga contemplação à tua volta.

Ela:

Teu dorso infinitamente cálido e brando,
teu corpo esguio e lânguido,
suaves tremores a trepidar as pálpebras,
teu longo arco lançando flechas,
pés estirados sobre a relva,
minhas mãos vazias de tuas horas largas,
fome e sede habitadas,
calma de sonhos antigos,
toda vastidão permitida e clara.

Ipanema, 5-7/11/2000

Te amo antes de saber que te amava.
O invisível tece a teia em silêncio
e nos prende em seus tentáculos de fera.
Te amava antes de descobrir-te,
pois para amar-te bastava ser
a absoluta falta que preenches.
Teu olhar transformado em palavra,
voz amada e inesperada,
abrindo os sentidos pela fala.
Me inquietas e te aflijo.
Busco todas as formas de fazer-te meu
e já o és.

Ao te ver, me senti
encontrando minha alma.
Teus olhos repousam nos meus
e tua boca dilata os ouvidos,
fazendo-me atenta ao que dizes.
Deixa que escureça novamente
o teu olhar e o que vens buscando
se instale sem que percebas.
O que somos, há muito existe
e temos apenas de redescobri-lo.
Despe teu rosto, teu dorso,
teu colo, tuas mãos frágeis
em torno do meu corpo,
Te avizinha e faze da hora
o teu tempo,
em que nada te prende ou te demora.
Sei o que me basta
e é novo.
Tudo recomeça.
Tua voz rompe a calidez do instante
e me ouço falando
sem saber por que o digo.

Ele:

Meu contínuo murmurar, minhas preces.
Não te pressinto nem te aguardo.
Sou mais antigo em tua mente,
porque habitamos a anterioridade de tudo.
Somos póstumos antes de envelhecermos.
Me acolhe em teu abraço,
porque sou quem tu queres.
Te busquei toda uma vida
sem saber quem eu queria.
Te quero e, ao mesmo tempo,
não me pertences.
Minha dor está em jamais
tocarmos a eternidade.
Me demoro em tuas horas e não me atinjo.
Tua serenidade me assusta.
Serás sempre a virgem acalentada,
para quem todas as orações são feitas
e tua perfeição nunca se esgota.
Meu desejo não é possuir-te apenas,
mas fazer-te parte de mim antes de ter-te,
como se ocupasses um espaço anterior ao meu desejo.
Sinto que me queres sem reserva ou medo.
Mas a sedução usa caminhos obscuros
que nem mesmo conhecemos.
Quando vejo, já fomos enlaçados
pelo querer do outro
e nos lançamos
na tenebrosa senda sem volta,
na eleição do outro
pelo desejo de si mesmo.

Ela:

Quando me pergunto quem és,
é para ter-te que te seduzo.
Por que haveria de me dar
senão puder te possuir?
Sei que me desejas,
mas minha vontade não é mais sutil.
Dissimulo para que me tomes
e assim te entregues a mim.
Sou soberana do teu prazer,
a única para quem a sedução foi feita
e todas as armas que empregas
te falham.

Ele:

Para que me seduzes?

Ela:

Para que me seduzas.
Quero que faças o que eu faria
em teu lugar.

Ele:

Para que me queres?

Ela:

Para servir-te e para que me sirvas.
A solidão é a mina do desejo.
O que passou ainda arde em memória
e não te deixa esquecer.
Te completo para que me completes.
E para isso terei de ser inalcançável.

Ele:

Mas quanto mais te afastas
mais tenho medo de te perder.

Ela:

Não me afasto tanto
que não possa voltar.
Mas, se não me afastar,
acreditarás que me tens,
e eu não posso te dar
essa certeza, senão me desprezarás.

Ele:

Não te desprezaria.

Ela:

Dizes isso agora, pois não tens certeza
de que me tens.
Se te dou essa certeza, te perderei para sempre.
A paixão se alimenta da dúvida e da ausência.
Tudo que é permanente, fenece.

Ele:

Não morrerás para mim.

Ela:

A única forma de me manter viva
é não estar contigo,
senão quando não esperamos.

Ele:

Mas me tens quando quiseres.
Por que não posso ter-te também?

Ela:

Me tens quando queres.
Mas te faço esperar um pouco mais
para atiçar teu desejo.

Tua sedução tem que te consumir
para que se torne absoluta.
Nunca te darei certezas.
Se te der, terei morrido para ti.

Ele:

Me queres teu?

Ela:

Sim. Porque já sou tua,
mesmo que não saibas.
Sei que atravessarias o mundo por mim.
Mas já fiz isso, sem que me pedisses.
Para que fosses meu,
precisei atrair-te.
Te alcancei
antes que tivesses me visto.
Mas jamais te confessaria meu desapego.
Por ti cruzaria desertos a pé.
O que queres é o oásis,
que sou eu.
Para mim, és o deserto,
em profunda mutação e permanência.
Mas jamais te darei a resposta que procuras.
Mesmo sendo quem sempre busquei,
antes mesmo de saber que existias.
Te mantenho na dúvida
para que tua paixão sobreviva.
A única certeza que quero ter
enquanto viver.

Meu olhar arde e vê a chama em teu olhar.
Da mesma forma que me olhas,
te desejo.
E teu desejo flameja.
Me consumo em teus olhos
Para que te queimes em meu calor.
Meu corpo te abrasa
e ardo para ter-te.
Terás o fogo de mil velas
para acender o teu desejo
e mil luzes te consumirão
sob um céu de betume.
Te falo de meu desejo.
E em silêncio me respondes.
Tuas mãos são as mais ágeis
e as mais desejadas.

Ele:

Toca-me e prende-me.
Não me deixes desviar
ou me afastar de teu corpo.
Tudo que quero é que me tenhas
no impossível abismo
de forças e frêmitos.
Não me abandones
na solidão dilacerada
de meu próprio ser.
Esteja comigo
mesmo quando estou só.

Ela:

Também não te deixo,
mesmo que brinque
com teu desejo.
Quero-te mais,
porque vivo apenas
para que me queiras.
Desde menina, me quis desejada.
Queria que me vissem inteira.
A bela do jardim.
Todo desejo cobrindo as pálpebras,
e os olhos faiscando minha fúria.
Como aceitar minha própria tentação?
Não entendia por que me desejavam,
mesmo que quisesse.
Não sabia me deixar possuir,
como possuir quem eu mais queria.
Como fazer-me fêmea para ti
sem parecer vulgar.
Desejar-te do mesmo modo que me desejas,
tão direto como tua ereção fulminante.
Aceitar tua excitação como a que se levanta em mim,
um invisível membro para penetrar-te também.
E me fartar como num repasto,
não mais eu o alimento apenas,
mas o glutão.
Minha fome trespassada e vencida.
Tu, meu espólio.
Eu, saciada e plena.
Ao aceitar o teu desejo, aprendi a gozar o estupro.
Consinto que me tomes,
me arrebates, porque é o que quero.
Mesmo que preferisse
somente o carinho.
nesse momento.

Torturo-te, negando-me a ti.
Mas, ao final, quero que me tenhas
com espasmo e vontade,
com a mesma vontade
que tenho de ter-te.

Até escolher-te, o que fiz?
Observei atentamente todos os homens
como amostragem
e, volúvel como as estações,
mudei minhas preferências, até descobrir
o que queria,
quem queria comigo,
aquele que me dominasse,
mas que, antes, se deixasse dominar,
alguém que, mais sábio do que eu,
me fizesse crer ser eu a dona,
a senhora, a rainha de todos os seus prazeres,
apenas para chegar ao meu ouvido
e me dizer: – Aquieta-te. Sou teu.

Meu deleite está em seduzir
até descobrir-me seduzida,
em que descubro que não possuo
a chave para tua porta,
mas que tens a minha.
Me dou por vencida
tendo vencido antes,
porque te fazes meu.
Mas até que isso ocorra,
percorri todos os olhares,
até escolher a ti para seduzir.
Não me importa quantos se deixem
seduzir por mim.
Nenhum deles valerá o instante
que passo contigo,
que quero mais do que a mim.

Os homens são presas fáceis,
tolos encarcerados
em seu sofrimento de macho.
Assim, quero o mais forte,
que me traga o maior prazer
ao me seduzir.
Quero o que atende
ao seu desejo com nobreza.
Não se debata por me querer
e saiba vencer-me com a paciência
de um monge e astúcia de um guerreiro.
Aquele que realmente me quiser, será meu.

Ele:

Não precisaria amar-te;
Qualquer uma que amasse
teria o mesmo sentido abrasante.
Mas, não.
Precisei amar-te e não entender.
Para duvidar de mim
e começar a recontar
os dias a partir de ti.
Sou novo agora.
Eu precisava amar-te
para me conhecer.

Ela:

Te sei,
lábios e mãos.
Tudo que sinto
é teu.
Teria o teu sono
(esfinge do meu segredo).
Teria tua fala muda,
Teu verbo raso,
Teu olhar casto
e príncipe.
Teria tua boca
e língua,
corpo cravejado
e santo.
Querer-te faz parte
da noite abissal
e plúmbea.
Mãos nodosas e toques frescos.
Querer-te nada tem de secreto.
Tem de vasto, voraz.

Para João Augusto de Athayde
Teresópolis, 29-30/04/2001

Sábado
Para José Nêumanne

É sempre sábado quando lembro
que o tempo passa mais rapidamente
do que conseguimos perceber.

Ainda estou sob o impacto
de tuas torres e alabastros
nos poemas de Espanha.

A paixão é uma torrente inesgotável
e só ela nos sacia os desejos.

Quando, perguntas.

Tento responder e não me surpreendo.

Quando é tempo que não descobrimos.
Temos de ser descobertos.

Isso o torna ainda mais súbito.
Como um clarão pela manhã.

Cristalina manhã.

11/11/2000 – 16h29


Amor
Para Ricardo Quintana

Respondo-te com o mesmo calor,
com o mesmo entusiasmo lançando-se sobre mim.
Respondo-te com as mesmas palavras longínquas,
o mesmo ardor do tempo,
que só responde a perguntas com o silêncio.
Somos os olhos bravios da tempestade,
o vórtice do furacão,
a manhã estrelada de tantas auroras antigas
– memória restaurada com as mãos ainda leves e breves.
Respondo-te com o que sei de mais límpido e transparente,
meus cristais sobre a areia ainda úmida da manhã.
A praia que nos cerca é fronteiriça
e nos abre os limites da espera e da vida.
Toda vida está diante de nossos olhos,
como o mar que nos aguarda
se o singrarmos.
Partimos para descobertas irrealizadas,
cruzamos outros mares por descuido
e voltamos, exaustos e mudos,
à mesma praia,
à mesma origem,
ao mesmo templo diante do abismo.
Avançamos sobre as águas
– cortando a lâmina fina do esquecimento.
Lembramos quem somos e o sabemos
Toda vida está aonde a colocamos,
vibrando a única melodia
que conhecemos:
amor.

14/11/2000 – 14h36


Ter ou não ser
Te chamo por vários nomes
e todos serão amor.

Não lamente nada que tudo só parece ser.
O que é, não sabemos e, se soubéssemos,
seríamos desde já o fruto pronto a ser colhido.

Não se precipite.
Não pense que seus desejos serão esquecidos,
pois todos os desejos tecem a trama íntima do ser.

Nem tudo cabe numa vida.
Ela se alarga toda vez que nos lançamos,
temerosos, na amplidão que cerca os nossos passos.
Descansemos.

Nada passa sem ser colhido.
Tudo dá o que é seu a seu tempo.
As flores colhidas ao acaso serão mais belas
do que as de floristas?

Não lamente o tempo, inexorável,
os minutos que escorrem sem olharmos para trás.
Não sejamos as estátuas de sal,
que ficarão impávidas a mirar a catástrofe.

Avancemos, com certezas
que só podem ser trazidas por nós mesmos,
os únicos guias a seguir atalhos,
a reconhecer, como a palma da mão,
a trajetória que nos une nos descaminhos.

17/11/2000 – 19h39


Alba
Neste colo
pousa o poema
que nos fecundou.
Sylvio Back

Fecunda em mim o teu poema.
Nasce de carne e sangue
a penugem que te envolve novo.
Sê o frescor de mãos a te embalar
o ventre
minha vida tão próxima de mim
e tão ausente.
Deixa que nasçam as palavras
e se convertam em semente
para depois
saber o que plantamos.

21/11/2000 – 17h48


Marco

Fúria.
Traças um caminho sobre mim.
Teus dedos percorrem minha pele
deixando vestígios, labaredas
– um manto extenso e raro.
Tua boca engole a noite
e devora teu desejo
mais frágil.
Te consomes em mim e segues,
explorando o terreno espesso
e manchado de teu sêmen.
Partes.
Meu furor te acompanha.

13/12/2000 – 22h00


Elegia
Ninguém tem o tempo.
Ele é feito de eternidades.
Domingos de Oliveira

Que nada se compare ao incomparável,
por ser da folha a razão da árvore.
O que existe sem o outro, existe ao meio,
meio feito, meio desfeito.
Nada se iguala ao mito
– lembrado por toda eternidade –
reverberando a paisagem íntima e perfumada,
qual sândalo em véspera de rito.
Sejam feitas as coisas mais amadas
e deixadas as outras ao acaso,
para que quando passe o tempo,
reste apenas o que não foi visto.
Guarde-me em teu olho e em tua boca.
A surpresa de se sentir
onde não mais estás presente.
Apenas lembrança que perdura.

Rio, 16/12/2000 – 13h56


Meu deserto

Tua respiração
– haste alteada em meus ouvidos –
flutua acima das nuvens,
e mergulha na profundidade
das cavernas submersas.

Damos voz às asas e ela se alastra,
pilastras erguidas, estiradas ao céu.

Saudade, dizes.

Tua saudade transmudada em corpo.
Meu corpo sobrevoa tua aridez
e te estende sem limites.

20/12/2000 – 21h35


Somos essas manhãs
Para João de Abreu Borges

Os olhos da noite
espreitam
os muros de musgo
por onde passam
gatos suspeitos
e lagartixas
apressadas.

Madrugada adentro
a lua ausculta
o sussurrar cúmplice
dos pássaros
engaiolados.

Luares prateados
envolvem poemas
vértices
vórtices
votivos.

Lua dia e noite.
Sol noite e dia.
Vivemos cumplicidades
estreitas
brilhos candeeiros
chuva fina sobre os pastos.

O mito dos índios
avança, os índios
avançam na escuridão.
Impossível morte
impossível silêncio.
Tantos
muitos
fins.

O rosto desenhado na areia
memória salobra
mares de sal
saudades
guardadas sob os telhados
aragens das tempestades
que se aproximam.

Somos essas manhãs
em que nada se avizinha
e somente a espera habita
os espaços deixados
por nós mesmos.

Somos essas esperas
de noites mal dormidas
e corações que escutam
outros corações.

Amanhã tudo melhora.
Não importam mais
os cuidados, os mitos,
as perdas, as faltas,
as falas, as cotovias
que partiram.

Nada mais importa
senão o porvir.

25/12/2000 – 02h49


Pós-Natal
Para Gabriela Ramos de Athayde

Mudou o Natal
e mudei eu.
Mudou o mundo
e todos mudaram.
Quem somos
agora
que nos sabemos
novos?
1.700 Natais
não mudaram o homem.
Mesmo assim
não somos os mesmos.
Esperamos
o imutável e o novo
toda noite
de Natal.

27/12/2000 – 13h00


Talvez

Talvez a lua espere que a olhem
apenas por um momento.

Talvez a lua se esconda e não reflita
sua face sobre os lagos.

Talvez eu mesma não veja a lua
nem tua voz
nem teu vôo de águia.

Talvez não sejamos senão sopros
de lua sobre a face das águas.

7/01/2001 – 11h15


Meu segredo e nosso deserto

Teus caminhos são meus
apenas em tua direção.
Habito tuas horas fartas,
porque as enche de carinhos.

Somos todos os seres possíveis num só.
Conténs todas as órbitas
e orbitas em mim com teus pensamentos.

Tuas rimas te falham,
são poucas, esquece-as.

Nenhum pecado te atinge
já que és puro e meu.

Sagra-te por seres vão.
Sempre um espelho que me reflita
e te reflita em mim.
Corpos que transitam astros
e nós dentro deles.

Acumulamos tempo, linhos e ondas.
Completa-te em mim,
pois naufrago em teus olhos mareados.

Sabemos apenas o que nos é dado ver.
Nada vive senão por fora.

Por dentro já é eterno.

9/01/2001 – 15h39


Renascido

Há coisas que nunca sabemos até acontecidas.
Antes que aconteçam, são insabidas.

Depois, passam a percorrer
os pequenos abalos sísmicos
de uma aurora pessoal.

As lembranças vazias buscam alentos
em novos momentos
reinventados.
Quando abri-lo em horizonte
vasto e destemido?

Lentos olhos perscrutam
– todo poente é um acidente.
Ocaso.
Renascido.

16/01/2001 – 19h06

Carta
Para Anne Morrow Lindbergh (22/06/1906-7/02/2001)

Tua casa,
plena de teus gestos,
guarda a vida que tiveste
e nada te restou senão amá-la.
Tudo teve de ti o teu silêncio e tuas palavras,
tua voz por baixo dos livros,
papéis escritos espalhados,
preenchendo outra madrugada insone.
Tuas crenças te fizeram como és.
E tua vida te trouxe ao termo em que te equilibras
em perfeição.

Salem, Mass, 8/02/2001 – 1h20


Espera
I’ll stop somewhere waiting for you.
Walt Whitman, “Song of myself”

Se soubesse que me esperava,
não haveria de parar e esperá-lo também?

Se souber que me espera,
não haverei de querê-lo também?

Se sei que me aguarda,
voltaria o caminho
e me poria à escuta de seus passos.

13/03/2001 – 17h17


Um homem
para Bráulio Tavares

Apenas um homem.

Diante de mim,
nu, ereto,
era um barco
singrando ao pôr do sol.

Imóvel, move-se
por mim
e desce os cumes,
empunhando sortilégios,
distanciando-se,
sem olhar para trás.

Segue meu homem
aonde o levam seus passos,
agreste, vãos, colinas,
rio serpenteando
seu caminho,
poços secos de sua lavoura
abandonada.

Vai e se perde no horizonte
o meu homem,
que leva o meu sangue
em seus membros.

Espírito das Artes, 19/03/2001 – 23h10


Fauno
Seremos sempre gregos. E trágicos.

O que ouvia que me
precipitou?

Fauno correndo
em meio aos olivais
séquito de ninfas
a cobrir-te de flores. 

O que eu via que somente
adivinhei?

Falta-me o gosto
das uvas
sobre teus lábios
de deus.

20/03/2001 – 15h15


Adorar-te

adoro-te
como adoro
tua boca
em mim

teus beijos
engalfinhados
língua
resfolegante

te beijo
com minhas duas
bocas

ninho
de secretas torres
marfins
de nosso império
ocluso.

27/03/2001 – 22h20


Flagrante
Para Paulo Mauad

Afeitos aos beijos,
beijemo-nos.
Não há remorsos
nos beijos sinceros.

O que é dado
simplesmente,
também pode ser
sempre festejado.

Beijemos os versos
os reversos
os motivos diletos
secretos
as esperas atentas
sonolentas horas
mordendo lentamente
o vácuo de nossas mãos.

Não há remorso possível
onde houver versos.
E os há.
E haverá.

Flagrantes.

30/03/2001 – 03h37


Dor

A penumbra
me toca o olho
e um rasgo
atravessa a noite,
mito
em que me reconheço
sem que tivesse me visto.
Dor.

Há algo em meu olhar
que não vejo.
Possuo.
Ouço.
Dilato gestos contidos
no infinito absinto
azul de minha ancestralidade
trágica.
Reencontro.
Sem dor.

Jobi, 10/04/2001 – 02h50


[Artefato]
Para Justo D’Ávila

Da matéria prima ao arte-fato,
elaboramos gloriosos modos.

O que temos, transformamos.
O que somos, é transformado.

12/04/2001 – 10h48


O que sou

Sou toda, total, tudo e tanto.

Sem rimas, certezas,

naquilo que temos de mais santificado
e puro, no que temos de humildade e arrimo,
prosseguimento
e alimento.

Vemo-nos vivos
como somos.

13/04/2001 – 2h43


Mirada

Meu tempo é teu.
Mesmo que não quisesse dá-lo,
me pedes
e te dou.

Não sei que rosto está oculto,
que face tenho para mostrar.

Sou esta que vês.

15/04/2001 – 08h42


E porque somos

Há um sentimento de riqueza nisso tudo,
um alheamento, um tecer de ramos,
uma fome de sombra e luz,
um esgueirar-se, um olhar furtivo,
reflexos de sol na água, tua forma, teu beijo.

Há um sentimento nobre nisso tudo,
uma alegria contida, um entremear de lábios,
um suspiro, coisa que não se sabe nem se fala.

Há tudo e não há nada: tudo está por existir e já existe;
de alguma forma, ter existido já é completo.

São Paulo, 20/04/2001 – 09h00


Imantado
Para Löis Lancaster

Imantada com teu desejo
mergulho
em espelhos d’água
e reflito minhas mãos
na superfície de teu colo
cravado de silêncios.

Tuas palavras somam-se às minhas
minhas palavras emprestadas às tuas
erguem-se como hastes de flores
abissais.

Enormes pétalas te envolvem
te sorvem
te fazem habitar o cálice
da flor.

Te anuncio
te consumo
onde me consomes
com teus vãos e precipícios
seculares
vozes havidas
e onde estarás presente
à qualquer hora
para que a eternidade
nos tenha
e nos deixe passar.

22/04/2001 – 21h10


Querer

Quisera-te único,
existente.

Quisera-te antes da febre,
do outono, das horas.

Quisera-te uma vez
e me bastar.

25/04/2001 – 15h02


Pan

Pan saca sua lira
e as ninfas desfrutam
seu canto.

Eros e Afrodite
passeiam
enquanto.

2/05/2001 – 11h11


Belo

Beijo o belo que és.

A beleza que repartimos
É feita de pequenos movimentos
sísmicos

abalos de terraplanos

escafandristas
tomando de assalto
a hibernética célula do amor.

27/04/2001 – 13h53


Laço

Laça-me
enlaça-me
que quero
ver-te
vertido
comigo.

Laça-me
caça-me
guarda-me
porque já me tens
contigo.

25/04/2001 – 03h18


Teu mar

Teu beijo
caleidoscópio
antológico
crucial
apaixonado, apaixonante
sinuosidades impossíveis
línguas atordoantes
vertidas em abismos bucais
lavas, lajes, lamas
luxúria e carnaval.
Beijos sofreguidão arquetípica
beijos cálices de vinho
lentos largos longos
lânguidos
nervosos
nevrálgicos
determinantes.
Teu beijo me emerge
me acende centelhas
labaredas
louva-deuses
e lanças.
Lavo-me
em teu mar.

8/05/2001 – 04h16


A trama

Vivemos um tempo de experimentações,
em que a dor serve de instrumento
e a única necessidade é esculpi-la.
Trabalhamos o refugo do tempo,
aquilo que não cabe em nossas vidas
e pensamos que única meta é estarmos completos.
Estamos sempre incompletos,
fazendo-nos na trama mais íntima
como gostaríamos de ser.
E esquecemos que, para ser quem somos,
temos de nos esquecer quem queremos ser.

11/05/2001 – 13h50


Saudade
– Ó vida futura! nós te criaremos.
Carlos Drummond de Andrade

Tenho saudades do futuro,
quando ainda seremos
e quando haveremos de saber mais.
Tudo que tenho são palavras
e tudo que sinto assim me verte
como vinho num copo,
água da fonte e gota de orvalho.
Traduzo-me em palavras,
porque não sei fazer de outro modo.
Saudades também de quando
seremos mais do que somos,
nós que já somos tudo o que seremos.

18/05/2001 – 18h15


Templares
Amor era o nome de tudo.
Olga Savary

Os ismos e os íssimos de tudo que escrevo.
Não há fascinação que não corrompa.
A beleza é um templo de si mesma.
Nesses mares e nessas névoas
navegam outras vidas que carregamos.
Serão memória e esquecimento.

21/05/2001 – 13h26


DESERTO

...sendo água por fora
as palavras são mares por dentro.
Neide Archanjo, 
in As marinhas


Sob o céu do deserto

O que escuto no fundo do poço?
A água que se move
ou a sombra que estagna o silêncio?
Há tantos poemas dentro de um mesmo poema.
O que escuto senão o eco de minha voz?
Meus olhos exploram a notívaga vaga
e ouvem o ecoar de outras palavras
extintas.
Mistérios insondáveis que ouvimos
ao adormecer.
Abro o livro – tormenta – e afundo
os olhos nas constelações
que cobrem o deserto.
Sim, o deserto.
Terra por baixo e, por cima, o cosmo
a cintilar a perenidade dos céus.
Enquanto eu estiver aqui a olhar,
céu de mil estrelas,
me completo de luz e me ofusco
na profundidade do que vejo.
Paisagem que é música sem instrumentos,
voz sem palavras
a me confortar,
a me dizer o que nunca soube.
Meus lábios se movem e beijam
a boca do infinito,
onde infinitas canções me invadem
os ouvidos
e me atormentam o espírito.
Castos são os beijos sob o céu do deserto.


Bênção

És abençoado por olhos
que veem, não a mim,
mas meu outro rosto,
aquele que te persegue
em minha ausência
como se eu jamais te deixasse,
como se já tivesses me visto mil vezes,
me amado outras mil
e beijado infinitamente
até que o sol se pusesse
e se elevasse novamente.
Não me esperes
e não me queiras:
teu sofrimento será jamais me ter.


Revés

Me abandonei
aos meus pensamentos,
traçando um trajeto ao revés
do sonho,
voltando aos poucos
à realidade em que ver
é não saber a verdade
e sim encher-se de dúvidas.
Verto o líquido escasso
de tua ânsia
e pouso as mãos sobre teu alento,
arrancando-te de tua própria inanição.
Alimenta-te de meu sonho
e renasce
na precária preamar
de teu riso.


Nomeação

Tudo tem seu nome,
o inominado,
o terrível semblante de Deus,
a letra esbelta,
a fome, a falta de vogais
a devorar o nome ancestral.
Sou, és.
Assim está bem.
Recomecemos.


Amanhecer

Geometria invertida,
és o trevo de minhas palavras,
íncubo, fascínio,
cornucópia de desejos,
reflexo de minhas marés fartas,
ressaca sobre as pedras do cais.
Inesperada nau
no deslocamento dos mares,
polígono arremetido e belo,
fez sobre a cabeça altiva,
olhos semicerrados e cheios,
mãos abandonadas sobre meu colo:
breve manhã inalcançada.


Íris

Tua voz
frêmito
pedido
mãos ágeis
rápidas
invadem meus sentidos,
loucas, não sabem
por onde começam,
param, aguardam,
retomam o movimento
avançam
escutam.
Te ouço.
Meus olhos te sabem.


Morada

Tua sede é tamanha
que naufrago no cálice
em que bebes.
Tua sede, diurna,
me espreita pela noite
e me aguarda.
Nossos sonhos, perversões submersas,
a navegar silábicos mantos,
tramas, viagens, segredos.
Distâncias que nos aproximam.
Sou o princípio,
és o fim.
Me ouve, sou tua,
seja em corpo ou sem ele.
Teu prazer, alvo.
Veste-me e despe-me.
Transita por mim,
hóspede breve
e habita-me.


Os olhos do deserto
Para Marco Lucchesi

Os olhos do deserto
e as vagas circunferências.
Os olhos do deserto
e as meias luas aturdidas.
Tudo é pão celestial
e céu onipresente.
Estou além de mim
e tu, além de ti, és.
Teu opressor, teu nome,
teu cunho, tua máscara
sem dono,
tua voz de marfim partido,
cúspide, catedral
sem fim.
Um oceano te inunda
e me afogo em ti.
Vertentes.
Abóbadas e tombadilhos.

Letras e Expressões, 3/03/2001 – 1h30-4h10


Sobre a autora

(Constato) a insubmissão de quem não obedece a nenhuma rígida cronologia, imposta pela lógica formal ou pela linearidade narrativa, mas que, ao contrário, utiliza-se da superposição de suas opções líricas, para construir uma sucessão se fenômenos, particular e universal, não seqüencial, às vezes apenas intuitivamente sugerida, embora sempre emocionalmente vivenciada. E neste confronto, entre a realidade e a ficção, Thereza Christina Rocque da Motta faz com que surja, através de seus versos, uma nova dimensionalidade feita da fusão do milenar com o contemporâneo, do atávico e do imemorial com as multipossibilidades da “faísca quântica poética”, materializadas na grandeza de cada gesto simples, de infinita amplitude.
Leila Míccolis
In Sabbath, setembro de 1998

Thereza Christina Rocque da Motta vem mostrando, entre outras qualidades literárias, consistência e integridade. Sua poesia se move, enriquecendo-se e ganhando em refinamento, enquanto permanece a mesma, imediatamente reconhecível em aspecto essenciais. Mostra-nos uma autora lírica, nas duas acepções do termo: na temática e na escrita na primeira pessoa, a partir do sujeito, do Eu romântico. A experiência amorosa sempre é identificada, neste e nos livros anteriores, à concretização do mito, de outra dimensão da realidade e outra escala do tempo e à realização da própria poesia.
Claudio Willer
In Sabbath, setembro de 1998

Joio & trigo não é propriamente poesia mítica nem cosmogonia estruturada, porém mais uma poesia pré-mítica. Neste e em textos anteriores da mesma autora, há um tender em direção ao mítico, um ritual propiciatório e uma reflexão sobre as contradições entre o poeta e a sociedade, sobre a possibilidade de uma (que também é anti-mítica, já que a ideologia da nossa sociedade está permeada pelos seus próprios mitos), através da erotização da linguagem (e da sacralização e poetização do erótico, evidentemente). Um texto como Joio & trigo apresenta interesse não só por seus indiscutíveis méritos literários, mas também como narrativa alegórica de uma viagem, de uma travessia por esta paisagem humana, onde há pessoas que dialogam, se encontram, transam e se amam.
Claudio Willer
In Joio & trigo, abril de 1982

(Nela) torna-se visibilíssimo o papel da sensibilidade na criação poética, muito embora uma família de poetas maiores, de Baudelaire a Valéry, o tenha acoimado de precário, e haja lançado sobre ele uma convulsiva desconfiança. Os poemas de Thereza Christina apóiam-se nas emoções de um cotidiano biográfico, de ordem episódica ou circunstancial, mas sua validez é tanta quanto o processo de humanização e, em certo sentido, os torna intencionais. O que quer dizer: os poemas, estribando-se numa experiência interna, constituem-se num discurso caleidoscópico, onde cada fragmento revela algo: a lembrança de um rosto, a revisitação de uma cidade, o mistério da noite, enfim, fragmentos que se lhe filtram nos poemas, tornando-os autônomos entre si,e, ao mesmo tempo, consoante a contemplatividade que os enriquece, marcados de unidade existencial. Nesse teor significativo e esteticizante, alinham-se poemas que traduzem o coeficiente lírico de Thereza Christina, da sua natureza profundamente feminina, poemas que se fazem valores permanentes: da autora para a Poesia; da Poesia para a existência.
Carlos Burlamáqui Köpke
In Relógio de Sol, Outubro de 1980

Thereza Christina tem a face de seus poemas: lunar, com o seu quê de penumbra no branco, com suas explosões tão súbitas, subvertendo o ritmo contido. Poesia cósmica e interior, alquimia de sentimento e paisagem, luz e sombra, é o microcosmo refletindo o macrocosmo num jogo de ser passivo, forte e suavemente feminino, espelho de uma luz vivíssima.
A postura essencial de seus poemas bem poderia ser traduzida na imagem da orante atemporal, impregnada de fé na beleza, através do sofrimento e frêmito.
Dora Ferreira da Silva
In Papel Arroz, abril de 1981

A escrita de Thereza Christina, ao contrário da escrita automática dos surrealistas, não busca a abundância e o desbordamento, mas a contenção, metáfora do cioso controle que os amantes pretendem exercer sobre o incontrolável da experiência amorosa. É que o amor absoluto, o surrealista ou o mais antigo, se alimenta sempre de paradoxos.
Carlos Felipe Moisés
In Areal, dezembro de 1995

Ah, Thereza Christina, pura, profana, libertina, irreal, realeza Thereza, vício, altar de sacrifícios, as tuas fúrias, o teu furor poético,a pele sensível da poesia que teus dedos percorrem, os lençóis semeados e seminados pelos teus versos, a tua poesia me invade nesta tarde fria como a melancolia de repente transmudada: quente como um ventre.
Nei Leandro de Castro
Rio, 19/12/2000

Muito linda a sua poesia. A eternidade por dentro. É forte.
Mano Melo
Rio, 09/01/2001

Muito bonito o poema. Continue enviando, embora às vezes eu não responda – mas os li. Acho que o calor carioca tem feito um bem danado à sua inspiração, sobretudo ao poético fervor da sensualidade.
Roniwalter Jatobá
São Paulo, 19/12/2000

Terremotante e terremotada amiga: saiba que sempre gostei de seu trabalho, mas estes que acabo de ler são de perder o fôlego, e me deixaram assim confuso e perplexo com a intensidade de suas linhas sísmicas, com a força de seus segredos, com a sua absoluta forma de dizer e de amar, de carne e transcendência, de ar e de fogo... fiquei impressionado... e mais coisas poderia dizer... da límpida expressão e do estranho, insólito sentimento que seus poemas despertam em minhas terras desoladas ou quase ou nem tanto...seria longo dizer a energia, a eletricidade, Eros e Thanatos, presente em seus poemas... Saiba Thereza, que suas linhas ainda trabalham, mesmo e principalmente, depois da leitura...
Marco Lucchesi
Rio, 10/03/2001

Creio que a vida nos pede pouco: calma e poesia; sem método, talvez; com um pouco de medo, decerto; mas ela só nos pede que sejamos um pouco do outro à nossa frente, ao nosso redor, pra que possamos olhar melhor para nós mesmos e nos amar nesse mar infinito que é o nosso sangue. Beije, ame, abrace, doe-se e deixe-se doer também, por que não? A vida é sempre maior do que qualquer arranhão; aliás, a vida é mesmo esse arranhão, essa faca, essa dor que nos alimenta e nos faz crescer como sementes. A vida é a dor pelo avesso (como um dia disse num poema) – há que se encontrar a Luz!
Tanussi Cardoso
Rio, 17/05/2001

(Orelha)

Uma poesia

A poesia que tem vida eterna, nada sabe do descritivo e do sentimental. Em nosso tempo, ignora as vanguardas que definham depressa e se sucedem excomungando as que vieram antes. A poesia que permanece é a que atravessa indiferente o maneirismo, tendo o olho aguçado e a mente vazia como únicos instrumentos, atenta às dores e aos deleites humanos, mas com o coração enamorado do amor transcendente. Essa poesia, cada vez mais rara em nosso tempo, é verdade que cuida da entrega e da posse que fazem parte da loucura humana, mas volta-se também para a paixão divina, que um dia termina em silêncio, esse mistério. A poesia mais recente de Thereza Christina Motta é feita dessa matéria, que ela trabalha com paciência iluminada no cadinho do cotidiano mais comum, sem as pompas do mundo e a vanglória da modernidade. Para ela, a poesia é vocação, não um destino. É seu modo de viver, nunca uma escolha. É sua maneira de ser no mundo, nada mais que isso. Desse modo, sua poesia tem, na serenidade e na simetria que a regulam, a dose certa da loucura humana e a exata medida da paixão divina.
Luiz Carlos Lisboa
Princeton, N.J., maio de 2001

Thereza Christina Rocque da Motta é paulistana e nasceu em 1957. É advogada, tradutora, professora de inglês e editora da Ibis Libris, fundada no Rio de Janeiro em 2000. Foi chefe de pesquisa do Guinness Book, o livro dos Recordes (1982), Editora Três, onde trabalhou até 1995. Em 1980, fundou, em São Paulo, o Grupo Poeco-Só Poesia e lançou as antologias ensaio I, II, III, IV e V. Tem cinco livros publicados: Relógio de Sol (1980), Joio & Trigo (1982), Areal (1995) e Sabbath (1998) e o pôster-poema Décima Lua (1983). Faz parte da antologia de poesia erótica Carne Viva (1984) e Antologia da Nova Poesia Brasileira (1992), organizadas por Olga Savary e da Antologia de Poesia Contemporânea Brasileira (2000), editada por Álvaro Alves de Faria, pela alma Azul, de Portugal. Tem mais seis, inéditos: Odysseus, O Livro de Pandora, Lilases, Lazúli, amado, Chiaroscuro – Poems in the Dark, em inglês. Fez traduções para as editoras Rosa dos Tempos (1992) e Lacerda (2000). Participou das leituras da Ponte Poética (Ed. 7 Letras, 1995), idealizada por Claufe Rodrigues e Claudio Willer, com poetas do Rio de Janeiro e de São Paulo, entre eles, Roberto Piva, Mano Melo, Chacal, Denise Emmer, Alexei Bueno, Ivan Junqueira, Geraldinho Carneiro, Roberto Bicelli, Eduardo Alves da Costa, Armando Freitas Filho, entre outros e do Poesia 96 e 97, promovidas pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Vive no Rio, onde participa de diversas leituras, entre elas, Segundas com Arte, coordenadas por Tanussi Cardoso, no Espírito das Artes, na Cobal Humaitá, ConVerso no Café, do grupo Poesia Simplesmente, no Teatro Gláucio Gil, em Copacabana, com quem participou do I e II Festival Carioca de Poesia, em 1999 e 2000, Santa Poesia, organizado por Cleide Barcellos, no Casarão Hermê, em Santa Teresa, Panorama da Palavra, criado por Helena Ortiz, no Teatro Candido Mendes, em Ipanema e Novos Sentidos, de Elaine Pauvolid, na Livraria Berinjela, no centro do Rio. Coordena, desde setembro de 2000, com Ricardo Ruiz e Gilson Maurity, o evento quinzenal Ponte de Versos, na Livraria Ponte de Tábuas, no Jardim Botânico. Publicou, em 2000, pela Ibis Libris, Poesia Profana de Ricardo Ruiz e Poemas Cariocas, reunindo 47 poetas residentes no Rio de Janeiro.